No português brasileiro, pode-se assumir que as desinências -o e -a representam as regras gerais de marcação de gênero para masculino e feminino, respectivamente. Porém, tem-se notado a emergência de novas estratégias de marcação gramatical de gênero, entre as quais se observam estratégias desinenciais, como -x (‘alunx’), -@ (‘professor@s’) e -e (‘todes’), e formas pronominais como ‘elu’, ‘ilu’ e ‘ile’, a fim de não se especificar, na estrutura linguística, uma distinção binária de gênero social. O uso dessas estratégias decorre do fato de que há pessoas que não se sentem representadas pelo masculino ou pelo feminino; decorre também da percepção de que as formas de masculino, no português, são comumente empregadas com referência genérica, o que marca como ‘diferentes’ todas as manifestações de gênero não-masculinas, entre as quais se encontram as femininas e as não-binárias. Entretanto, o emprego dessas estratégias de neutralização (ou não especificação) de gênero esbarra em algumas restrições apresentadas pelo sistema linguístico. Portanto, neste ensaio teórico, descrevemos, em linhas gerais, o tratamento do gênero gramatical nos estudos linguísticos e algumas estratégias de não especificação de gênero na gramática do português; identificamos algumas restrições ao seu emprego do ponto de vista estrutural da língua; e visamos a compreender as questões sociais que levam à implementação dos novos usos linguísticos. Entendemos que, como linguistas, precisamos descrever a língua tal como efetivamente é usada e, por meio da reflexão sobre as estratégias de neutralização de gênero, contribuir para os diálogos acerca de um tema tão polêmico e necessário.