Este artigo, desdobramento de pesquisa realizada pelos grupos Práticas Discursivas na produção de Identidades Sociais: Fatores humanos, organizações, trabalho tecnologia e sociedade (PRADISIS) e Discurso e Educação Linguística (DELIN), tem como objetivo analisar documentos jurídicos, considerando sua suposta neutralidade (GONDIM, 2014), para entender como esses, a partir de determinadas relações de poder-saber (FOUCAULT, 2013), podem ser dispositivos de legitimação de práticas sociais de caráter heterossexista, que fundamentam discursos de ódio e intolerância, apontando para um caráter de intervenção na realidade social por parte da linguagem, e não somente de representação (ROCHA, 2006). Para isso, partiu-se do conceito de dialogismo (BAKHTIN, 2014), a partir do qual se compreende que os discursos são construídos por diversas vozes anteriores e posteriores, com as quais dialogam; uma abordagem da Análise do Discurso, de base enunciativa (MAINGUENEAU, 2004), que compreende a produção de sentidos realizada através da interação social do texto com seus coenunciadores e em Foucault (2013) um meio de entender como nossa sociedade atua disciplinarizando corpos, visando docilizá-los através de mecanismos como o heterossexismo diferencialista (BORRILLO, 2010). Com esse embasamento teórico analisou-se o Projeto de Decreto Legislativo n° 234 de 2011, conhecido popularmente como “projeto da cura gay”, de modo a identificar seu caráter intervencionista e legitimatório no meio social, por estar constituído dentro de um sistema de verdade, de controle, de disputas e de tensões de poder.