Ainda que a progressiva incorporação do constitucionalismo ao plano internacional e global implique avanços civilizatórios parciais, o certo é que o século XXI está provocando uma transformação essencial nas condições históricas que haviam dado lugar a sua formação e desenvolvimento. A globalização gerou um contexto caracterizado pela aceleração e transformação permanente, tanto no âmbito econômico como no tecnológico. As mudanças produzidas nas quase duas décadas do século XXI, alteraram substancialmente o mundo que conhecíamos até o final do século XX. Surgiram novos agentes de poder global tanto públicos como privados que não se vinculam aos valores inspiradores do constitucionalismo. NO caso dos públicos, porque se tratam de Estados autoritários nos quais não existem estruturas democráticas ou estas são muito débeis. No dos privados, porque vinculam sua atividade à lógica exclusiva do benefício econômico, desvirtuando os valores democráticos que haviam regido o espaço público até recentemente. A crescente permeabilidade do Estado aos agentes globais que agem no plano financeiro e comunicativo, determinou as duas grandes crises do constitucionalismo frente à globalização neste século XXI. Por um lado, a crise financeira, que deu lugar a uma exteriorização do poder estatal, submetido plenamente às condições econômicas ditadas do exterior. Por força da crise tentou-se implantar uma “interpretação econômica da Constituição” que debilitou os valores inspiradores do constitucionalismo. Por outro lado, a crise democrática, manifestada a partir do Brexit e das eleições presidenciais norte-americanas, com a incidência que tiveram as grandes agências provedoras de serviços de Internet sobre os processos eleitorais, mediante o desenho tecnológico de propaganda massiva adaptada às redes sociais. O Estado-Nação encontra-se atualmente indefeso ante tais agentes globais da especulação financeira nos mercados e da manipulação publicitária do espaço público (que têm conexões entre si). O constitucionalismo de nossa época somente pode aspirar uma regulação global ou, senão, supranacional, eficaz. Para além dos efeitos visíveis da intervenção destes novos poderes globais, surgem alguns problemas estruturais que podem afetar a própria essência do constitucionalismo em sua última fase de desenvolvimento até o momento, aquela representada pelas constituições normativas e a democracia pluralista. No plano econômico, minam-se as bases o Estado social e deterioram-se suas raízes culturais. No plano comunicativo, apesar da potencialidade participativa que têm as redes sociais, percebe-se um isolamento e encapsulamento da coletividade em grupos e uma mudança de padrões de conduta nos partidos políticos e nos meios de comunicação, que dificultam cada vez mais os processos comunicativos reflexivos, orientados no sentido da formação de consenso, que eram próprios da democracia pluralista. A segmentação e desagregação progressivas do espaço público se veem potencializadas extraordinariamente pelas redes sociais, já que lhes resulta economicamente produtiva às grandes plataformas de Internet. O fomento da instabilidade política e de conflitos sociais virtuais através das redes incrementa sua receita publicitária. A lógica economicista instalada nos grandes agentes globais está provocando um retrocesso civilizatório e uma crise existencial para o constitucionalismo como nós o conhecemos.