Abstract
O artigo pretende apresentar algumas considerações em torno de dois sonetos do poeta português Gomes Leal (1848-1921) – O astrólogo e O novo livro –, ambos constantes de Claridades do Sul (1875), livro que a tradição crítica consagrou como sua obra-prima. Entende-se que os poemas abordam questionamentos recorrentes na obra do referido autor, articulando-se como expressão literária do sentimento de decadência finissecular e operando simultaneamente como etapa preparatória e notícia de O Anticristo (1884-1886). Argumenta-se que o prognóstico pessimista perceptível nos sonetos analisados pode ser lido como uma figuração da trajetória existencial do poeta.
Highlights
This article aims to present some considerations on two sonnets by the Portuguese poet Gomes Leal (1848-1921) – O astrólogo e O novo livro, both from Claridades do Sul (1875), book consecrated by the critical tradition as his masterpiece
The poems address to recurring questions in the author’s work and can be read as an expression of feelings of decadence at the end of the century; at the same time, they work as a preparatory step for O Anticristo (1884-1886)
The article argues that the pessimistic prognosis in the sonnets can be read as a figuration of the poet’s trajectory
Summary
Penso que um interessante ponto de partida para as reflexões que desejo apresentar neste artigo é o perfil de Gomes Leal delineado em um muito conhecido soneto assinado por Fernando Pessoa (1997, p. 145), publicado pela primeira vez no vigésimo número de O Notícias Ilustrado, datado de 28 de outubro de 1928, e posteriormente republicado no Cancioneiro: Gomes Leal. Gomes Leal é, por conseguinte, assinalado pelos “três anéis irreversíveis” que o destinam à desgraça, à tristeza e à solidão – o que sabemos cumprir-se em sua trajetória biográfica, sobretudo a partir da morte materna, com a velhice na miséria e no desamparo –, regido pelas “oito luas fatais” que propiciam uma existência de loucura – compreensível como um singular percurso marcado pela excentricidade, com o qual Fernando Pessoa decerto não deixava de identificar-se, para si também encontrando um mesmo consolo num desígnio oculto: a lua “álgida e ignota” que esplende “além de Deus”, de algum modo justificando os aparentemente incompreensíveis episódios que se sucedem numa árdua e dolorosa existência. Aliás, uma abordagem do interesse quase obsessivo de Gomes Leal pelo desconhecido, algo nítido já em seu primeiro livro, Claridades do Sul (1875), e que se faria presente mesmo numa obra tão tributária da estética naturalista quanto O Anti-Cristo (1884-1886) − colossal poema que não recusaria criticar a própria razão que lhe servia como sustentáculo para a emancipação irreligiosa, e que seria anunciado precisamente por um dos poemas que analisarei neste artigo. Trata-se da destruição de todo um mundo, enquanto conjunto de significações composto pelas múltiplas perspectivações humanas; em outras palavras, trata-se de uma antevisão da derrocada dos sentidos e da falência dos valores, condicionada por elementos do contexto histórico e cultural em que o poema foi composto
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