Abstract

Quem espera encontrar uma visão contemporânea da pedagogia, embora titulada como se tão-somente do “futuro” fosse, será surpreendido de forma extremamente positiva ao se debruçar sobre o Pensar a pedagogia do futuro: textos educativos e pedagógicos, de Marco Burlamaqui, obra de lhaneza singular, calcada em grande parte na experiência do autor, mas que tem o cuidado de não se distanciar da desejável análise científica. O pedagogo e mestre Marco Guilherme Bravo Burlamaqui, profissional por bastante tempo ligado à docência na Universidade de Brasília, bem como à educação de jovens e adultos, inclusive consultor do Ministério da Educação por dois períodos, consegue, nesse seu primeiro livro, descrever, com propriedade e desenvoltura, na Linha de Pesquisa da Educação e Tecnologia, as minudências do currículo e projetos pedagógicos, mostrando-se, após a publicação de três bem-sucedidos artigos, muito à vontade para tratar da didática geral, ética educacional e métodos de ensino. Publicada em 2022, a presente obra, que sugere ter sido produzida em meio à pandemia, traz uma proposta moderna, em uma linguagem acessível, retratando temas ligados à educação, com conteúdo que transborda o conhecimento comumente obtido no exame da bibliografia já existente. Nossa visão otimista da obra se justifica na máxima nela defendida de que é preciso pensar a pedagogia em uma perspectiva futurista, atitude necessária não só em razão da dada fugacidade que é inerente à arte de educar, mas, sobretudo, porque, de modo geral, a demanda para responder às necessidades do homem e à sociedade contemporânea na qual está inserido, como é sabido, não encontra limites. Ainda que o homem esteja em constante mudança, e com ele, sua visão de mundo, tornando métodos e teses educacionais aparentemente superados, combalidos, a azáfama pela forma de desenvolver e sistematizar os conhecimentos, na área, revela-se perene. Segundo Jacob Pinheiro Goldberg, “… a matriz da evolução cultural dos povos reside na capacidade de realizar a inteligência no intervalo entra a conservação social e a paixão pelo futuro” (2004, p. 135). Para além do conteúdo do livro, e, mais propriamente em relação ao estilo do autor, não se pode deixar de notar, e outros leitores certamente também notarão, que, não raro, a dissertação se dê por todo o texto em primeira pessoa - logo na apresentação, Burlamaqui agradece com um “obrigado por ler esse livro” –, mas, ao contrário de parecer pedante ou presunçoso, vê-se que se lança mão desse recurso narrativo com sucesso e cria um clima de proximidade com o leitor que, além de manter a fidalguia autoral, gera, ao mesmo tempo, sensação de informalidade e pertencimento ao leitor, sem que pegue por eventual falta de profundidade - “Espero que gostem e que seja útil”, diz o autor. O livro é dividido em três partes. Na primeira, os textos revelam-se curtas narrativas que se valem de metáforas para proporcionar uma leitura leve sobre educação e inteligência emocional. Está consciente proposta - pelo autor chamada de “zen” - atende com eficiência o propósito de demonstrar a importância de se estar aberto à prática do aprender. Como cediço, é árduo o processo de aprendizado, sobretudo, a tarefa de não se deixar contaminar por estereótipos, ideias preconcebidas e preconceitos. Por isso esta parte do livro é endereçada a educadores em geral e, também, a pais e professores. Para Burlamaqui, as atitudes irradiam-se de forma positiva no bem-estar, e, não por outro motivo, faz questão de compartilhar sua experiência com a abertura ao aprendizado, discorrendo, por exemplo, sobre como as atividades domésticas, na medida em que reclamam a participação da comunidade familiar, contribuem para sua harmonia. Os textos então selecionados nesse primeiro capítulo enaltecem uma educação para virtudes, para valores humanos, sintonizada com todo e qualquer tipo de necessidades, seja cultural, seja tecnológica, empreendedora, histórica ou artística. Há, em suma, uma defesa aos chamados bons valores ao lado dos conteúdos tradicionais escolares no sentido de que devem ser igualmente valorizados e ministrados por professores e educadores. Ademais, há um cuidado em demonstrar que o amor e o antiautoritarismo devem ser protagonistas, e não coadjuvantes nesse processo. Marco Burlamaqui aduz que o movimento continuado, ainda que paulatino, da atenção ao respeito nas relações de liberdade, escolhas, preferências e aptidões, e que, outrora afastou a palmatória, dando lugar ao diálogo, é a ação responsável pela dissociação da memória ao mero ato de absorver informações. Na segunda parte do livro, mais direcionada aos pedagogos, discute-se o que o autor chama de “Multipedagogia”, o que, grosso modo, revelar-se-ia uma tentativa hercúlea de tentar conciliar as diversas já conhecidas tendências pedagógicas (libertadora, libertária e tecnicista) com outras ainda no prelo. Não causa espécie o fato de que a resistência ao novo vem sendo problematizada não só por pedagogos, mas por profissionais de toda natureza. Barbara Herrnstein Smith, em seu Crença e resistência: a dinâmica da controvérsia intelectual contemporânea, pontua que:   Às vezes acontece que os tipos de esforços para construção-de-conhecimento ou preservação-de-crenças já descritos são ineficazes porque, depois de investigações adicionais, revela-se que os documentos históricos, as descobertas experimentais e as autoridades certificadas são menos substanciais, mais ambíguas ou mais condescendentes do que anteriormente supúnhamos. (2002, p. 85).   Ora, além das já conhecidas comuns preocupações em relação ao sistema de ensino, tal como o de impedir que maus alunos sejam aprovados sem mérito, o autor de Pensar a pedagogia do futuro salienta que o novo educador não pode perder de vista a necessidade de se ter uma atenção dirigida também à compreensão do ensino, bem como à aprendizagem no ambiente educacional. Para ele, é preciso que se pense como fazer para que bons alunos não se sintam injustiçados com notas ruins em provas de avaliação duvidosa, ou ainda, que se reflita sobre a dinâmica e a motivação de todo corpo discente para fins de desincentivo a práticas como a “cola”- não raro tabu no âmbito da organização escolar. Há, na visão do autor, uma possível extração benéfica das disciplinas já tão marcantes na pedagogia mais tradicional, que deve ser associada ao questionamento e à reflexão, na construção do tão almejado pensamento crítico, necessário no processo educativo. Essa perspectiva, à luz do interesse do destinatário do ensino, por assim dizer, é o que, em análise do discurso, chama-se de identificação pormenorizada do enunciatário. Com efeito, da mesma forma que a língua deve ser colocada em funcionamento para quem se fala, o processo de ensino reclama ao professor que cative o aluno, situando-o não só no contexto escolar, como no social. São, pois, os estudantes, o público-alvo, que devem conduzir a escolha mais adequada da metodologia de ensino e as justificativas dessas opções metodológicas. Como fazê-lo parece, então, ser a grande pergunta e, talvez, a internet, em geral, a possível resposta. Goldberg alerta que “… enfrentamos a tecnologia da informação – jornal, rádio, TV e Internet – com a sua força de irradiação, sem um pingo de criatividade, no campo pedagógico ...” (op. cit., p. 136). Vele observar que Burlamaqui, quando prega uma reflexão sobre a ruptura dos paradigmas pedagógicos instaurados rumo a uma educação de realização futura, parece, na presente obra ora resenhada, querer responder. Mônica Penalber e Neusa Barbosa Bastos, em artigo titulado “Uma análise discursiva do protagonismo digital”, bem nos lembram que a expressão “protagonismo juvenil”, cunhada no início dos anos 2000 (COSTA, 2000), é utilizada basicamente no âmbito da educação, e, segundo elas:   … compreensível que tenha se consolidado nesse contexto, visto que o jovem precisa estar envolvido na compreensão da sua realidade social, possibilitando com isso, maior engajamento na sua comunidade e no entorno dessa para a promoção significativa de uma maior qualidade de vida. (…) em tempos em que a velocidade da informação, das mudanças e transformações socioeconômicas e culturais, e, principalmente, em tempos que tudo é ‘cenário’ devido ao uso constante dos smartphones com suas câmeras de alto poder tecnológico, protagonizar se tornou, quase uma nova habilidade que se relaciona com identidade, com se colocar no mundo e de destacar na sua comunidade, ou seja, o protagonismo se atualizou e se lançou no ciberespaço, buscando, assim, aumentar seu campo de atuação. (Bastos; Penalber, 2021, p. 31).   Em tempos de informações na palma da mão, é preciso pensar em formação. Não se podendo negar que os jovens parecem nascer com a competência inata ao domínio da tecnologia, porque não usá-la em favor da educação? Menezes, Silva e Souza, remetendo-se à Pedagogia dos multiletramentos de Rojo (2012, p. 7-31), destacam que   os recursos audiovisuais podem ser utilizados como ferramentas sociais para potencializar o complexo processo de ensino (…) Essa possibilidade de uso dos recursos audiovisuais potencializa os efeitos comunicativos desse meio e a educação pode usar isso a seu favor. (…) Com o aumento da tecnologia digital e o acesso cada vez mais fácil às informações e a comunicação por parte do aluno, o papel do professor não é mais o de transmissor de conhecimento, mas sim de mediador entre o conteúdo, a tecnologia e o aluno. (Menezes; Silva; Souza, 2019, p. 19-21).   Bem sabemos que, ao menos na realidade brasileira, garantir a merenda escolar seja a prioridade, mas, quando se vê crianças em tenra idade, oriundas de todas as classes sociais, manuseando com destreza tablets e smartphones, é preciso ao menos reconhecer que tais ferramentas já poderiam ser consideradas como material escolar. Ainda que não se possa aceitar uma pedagogia exclusivamente virtual - até mesmo por conta do acesso -, pesquisas por meio de ChatGPT já são uma realidade, razão pela qual, põe em alerta Burlamaqui: não há como fazer vistas grossas ou ignorar a visita que bate à porta.  Quanto ao novo currículo, proposto pelo autor, sempre perquirindo o futuro, defende-se a ética como uma disciplina a ser estudada no ciclo básico de todos os cursos de nível superior. Nessa linha, Burlamaqui não chega a entrar na atual discussão acerca dos chamados “itinerários formativos”, base do discutível e polêmico novo modelo de ensino médio, mas destaca, por exemplo, como a Psicologia parece estar se tornando disciplina obrigatória de conhecimento necessário ao ofício do educador. Conhecidas pesquisas apontam que dois em cada cinco estudantes no país precisam de apoio psicológico. Parece, pois, seminal que, em tempos de propostas de uma educação integral, sejam arvoradas disciplinas voltadas para habilidades emocionais e inteligência emocional, pari passu, com a robótica e com as já conhecidas Filosofia, Sociologia, Artes e Educação Física, tudo de forma colaborativa, além de propiciar uma contextualização dos conteúdos e habilidades pertinentes voltadas para uma educação presente e futura. Defende-se, na segunda parte da obra, que a Pedagogia precisa contemplar todos esses aspectos de uma formação integral, sobre ecologia, inclusive, posto que, para as gerações futuras, é uma questão de sobrevivência. Fala-se em uma alfabetização ecológica que se baseie em princípios de redes - sustentabilidade não como propriedade individual, mas como canais de suporte e diálogo -, e interdependência (ecossistemas), que aprofunde o conteúdo das ciências tradicionais. Com efeito, razão assiste ao autor em argumentar que seria uma inconfidência ignorar que um futuro sustentável, talvez, também dependa da educação escolar, e não só da educação familiar e social. Se outrora fora dito que o homem não é uma ilha, a educação, instrumento da humanidade para sua perpetuação, também não pode sê-lo. Outra questão, ainda nesta parte do livro, aborda a responsabilidade da Pedagogia na criação de uma cultura de paz, que, sem surpresa, deve começar na escola. Em tempos de bullying, stress emocional, e outros tantos estrangeirismos conhecidos, que cuidam explicar a realidade de alunos e profissionais da educação, reclama-se por uma organização de aprendizagem na escola, de um clima construtivo para o aprendizado em que comunidade e sociedade como um todo se beneficiem. A terceira parte do livro, à guisa de conclusão, dedica-se a agigantar a educação, inclusive, como uma necessidade social. Chega a tratá-la, não sem razão, como objeto de política pública humanitária e solidária, que deve estar ao alcance de todos, ou, ao menos, em uma perspectiva inclusiva, à universalização. Retrata-se, a partir desse ponto, a educação como um instrumento de transformação da sociedade. Em suma, assumindo o risco da redundância, a obra insiste, amiúde, no convite à reflexão sobre a Pedagogia e do sistema educacional ora posto. Aliás, segundo inconteste nota do editor, constante na orelha do livro, o texto de Burlamaqui revela-se como um estímulo ao livre pensar sobre a educação com o intuito de aplicá-la em projetos concretos. O compêndio de suas ideias que circundam as teorias e concepções pedagógicas é apresentado de forma extremamente didática; parte da Pedagogia mundial para brasileira e desta para construção da presente obra em sua inteireza, cativando não só profissionais da área da educação, mas entusiastas de todas as áreas das humanidades, além de todos aqueles que se interessam pela matéria. Sabe-se que a obsessão sempre ganha do talento. Assim, ainda que se venha, de qualquer modo, após uma leitura cuidadosa da obra, a não se pactuar com todo o discurso nela propagado, indiscutivelmente tem-se que o texto merece voto de confiança, já que, dotado de uma presteza invulgar, empírica, corresponde às expectativas criadas em suas primeiras páginas, fomentando o debate sobre todo tipo de assunto esperado no âmbito da educação. Não há quem nesta obra se aventure e que não se sinta por ela provocado.

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