Este artigo resulta de uma análise antropológica centrada na experiência do diagnóstico e tratamento de um adenocarcinoma do endométrio vivida por uma mulher portuguesa. A dimensão incorporada do seu conhecimento e narrativa permite-nos compreender um conjunto específico de problemas enfrentados por mulheres com câncer ginecológico, mostrando como concepções de doença, tratamento, corporeidade, sexualidade, maternidade e resistência se interligam. A doença e o seu filho de três anos emergem como dois elementos opostos da história, veiculando a noção de uma resistência construída pela parentalidade, ou pela condição de mãe, usando-se esse vínculo contra as violências e sofrimentos produzidos pelo câncer e seu tratamento. Metodologicamente, esta análise combina narrativa oral, antropologia e ilustração científica criativa, ou seja, pintura e desenho etnográfico potenciados pelo uso da metáfora e da imaginação. Este exercício híbrido e colaborativo implicou uma mistura nivelada de fala, texto e imagem, partindo das palavras da mulher entrevistada. Conceptualmente, estas práticas visuais criativas são entendidas como recursos ontológicos, epistemológicos e performativos, ampliando a forma como a ciência social pode produzir conhecimento e ação em questões de saúde e doença. Lua aceitou contar a sua história preservando a sua identidade sob um pseudónimo, não encontrando abertura social para relatos sobre úteros cancerosos e sessões de braquiterapia vaginal. Respondendo ao seu desconforto, esta análise ilustrada também pretende desmantelar estereótipos enraizados na forma como vemos e entendemos as mulheres, as doenças ginecológicas e os órgãos sexuais, trazendo para a discussão um tipo de câncer que, apesar de frequente, permanece ausente da discussão pública e da imagética coletiva, sendo igualmente descurado pela ciência social.