Escrever a historia pode ser um remedio ou um veneno para a memoria, dependendo apenas de quem o faz e de como o faz. A discussao em torno do vocabulo pharmakon (que em grego, significa, dentre outros, remedio e veneno ao mesmo tempo) no dialogo Fedro, e iniciada por Socrates, ao narrar um mito sobre o surgimento/ invencao da escritura, que e apresentada, por seu criador, como um pharmakon. A escrita, enquanto pharmakon, representa com precisao o problema enfrentado na mediacao entre memoria e historia, diante do constante embate entre a verdade da historia e a veracidade (a fidelidade da memoria). A verdade da historia e sua relacao com a veracidade esta essencialmente ligada a autonomia epistemologica da ciencia historica frente ao fenomeno mnemonico. Ricoeur empreende uma critica a pretensao do saber de si da historia de se constituir em saber absoluto, em reflexao total, sobretudo como pensado pela filosofia romântica e pos-romântica alema e, assim, “abandona” o hegelianismo afirmando que a consideracao pensante da historia feita por Hegel foi uma operacao interpretativa, um fenomeno hermeneutico, que se submete, como qualquer outro, a finitude, pretendendo, entao, com Gadamer, pensar “apos Hegel”. O que se conclui, com Ricoeur, e que a oposicao entre a memoria e a escrita nao e total, uma vez que o verdadeiro discurso esta escrito na alma, um discurso da verdadeira memoria, de uma memoria feliz, certa de ser do seu tempo e de poder ser compartilhada. E dessa maneira que a escritura pode ser encarada como um risco a se correr, porque a escrita da verdadeira memoria com palavras verdadeiras e um semear.