A questão que move o presente artigo é: pode o plea bargainingnorte-americano ter sido originado por meios considerados pela doutrina contemporânea como predominantemente "inquisitórios"? Em caso afirmativo, e considerando que 95% dos casos naquele país se resolvem pelo plea bargaining, faz sentido seguir dizendo que o sistema processual penal dos Estados Unidos da América seja "acusatório"? E mais: desconstruídos os rótulos que predominam na doutrina em torno desse tema, faz sentido insistir no emprego da dicotomia dos sistemas processuais penais, em acusatório versusinquisitório, notadamente na discussão da adoção de modelos processuais inspirados no plea bargainingnorte-americano? Essas perguntas pretendem ser respondidas a partir da reconstrução histórica do plea bargainingnos Estados Unidos, o que remonta à sua colonização puritana, seu apego a disputas econômicas e às práticas introduzidas no século XVII, cuja expressão primitiva se encontra no famoso julgamento das “bruxas de Salem”, em Massachussets. O artigo, então, explora como as coisas se deram nesse caso, identificando a semelhança entre os métodos utilizados no julgamento das bruxas de Salem e no moderno plea bargaining.A tortura física e psicológica, esta vinculada à possibilidade de duras penas, que atemorizavam os acusados de heresia nos processos da inquisição medieval, assim como a sua parca possibilidade de defesa, também foram encontradas nos julgamentos das bruxas de Salem. Assim, o que se percebe é que se perpetuou um modelo de justiça criminal tachado como "inquisitorial" pela transmissão cultural, como uma herança medieval em parcelas do processo penal norte-americano. Isso evidencia que não há rigidez conceitual acerca dos sistemas processuais penais contradizendo significativa parcela da doutrina contemporânea que segue se apegando à dicotomia inquisitório versusacusatório. E permite avançar para, desvinculando-se dessa amarração dicotômica doutrinária, que é própria das pretensões de organização científica do século XIX na Europa, e que de lá para cá vem promovendo uma visão dualista e que não aceita enxergar nada para além dos rótulos antagônicos de inquisitório ou acusatório, indagar se é conveniente, ou não e em que termos à luz da Constituição da República de 1988, adotar-se, no Brasil modelos inspirados no plea bargainingestadunidense.