Este ensaio pretende examinar vários aspectos da sociocosmologia dos Ikpeng, povo ameríndio do sul da Amazônia. Através de um esforço de absorção de vários conceitos ikpeng em seu vocabulário analítico, ele explora a convergência das noções de afeto (não de relação) e de devir (não de transformação) desse povo em um plano sociopolítico composto por uma mistura de povos e espécies (não de pessoas). Nesse plano, o xamã figura como uma anomalia de espécie, posição alcançada pela sua exposição à morte múltipla, versão radicalizada da auto-intoxicação do sujeito ao longo da vida. Sustentadas por uma cosmologia animista/xamânica, tais concepções se provam incompatíveis com os modelos humanistas do sociopolítico predominantes na antropologia contemporânea. Seguir essa linha de pensamento indígena expõe também uma modelagem não-orgânica de diferença sexual intrínseca às composições transespecíficas envolvidas nos rituais ikpeng, mas cujos primeiros pontos de emergência são a iniciação xamânica dos meninos e a menstruação das meninas.