O ensino da língua e da literatura, nas Escolas Básicas e Secundárias e também no Ensino Superior, ao longo dos últimos cinquenta anos, foi objeto de grandes mudanças, nas motivações epistemológicas, nos métodos pedagógicos e nos conteúdos programáticos. Entre os aspetos que mais solicitam um refletido questionamento, encontra-se a degradação do tempo escolar de leitura literária e a sintonia ou disjunção pedagógica entre a língua e a literatura.
 A lecionação do português desempenhava consensualmente a missão de “enriquecer e aperfeiçoar” o uso da língua culta, modelada na expressão literária, e abrangia o ensino da gramática normativa e a lição dos clássicos.O estudo da gramática, como ancilar da aprendizagem do latim, começara já no final do século XVIII, mas a disciplina de língua portuguesa,incluindo a história da literatura, foi instituída como núcleo essencial do ensino público pelos meados do século XIX, a partir da criação dos Liceus. A motivação epistemológica encontrava-se na ciência da Filologia, herança principal da cultura clássica e da tradição humanista e europeia, cultivada nas Universidades. A Filologia era entendida num âmbito alargado, integrador das “artes sermocinales”, da produção literária e das ciências da palavra transmitida pela memória escrita.
 A partir dos anos sessenta do século passado, verificou-se uma amplíssima e apressada transformação na frequência escolar, no objeto de ensino,nos conteúdos programáticos e nas metodologias didáticas. “Descontinuaram-se” os Liceus e a Filologia, desenvolveram-se as artes e as semióticas visuais; multiplicaram-se as teorias científicas e alteraram-se as terminologias linguístico-literárias da mediação pedagógica. Ocorreram também outras decisivas mudanças, tais como a desescolarização do latim, a ocupação audiovisual dos ócios e tempos livres em prejuízo do tempo de leitura, a desverbalização do colóquio quotidiano, e uma drástica obliteração da memória literária clássica, na escola e no espaço de circulação da palavra pública.
 Esta nova “administração” da palavra parece ter degradado globalmente o uso da língua e a vivência literária. Simultaneamente, na programação escolar julgou poder otimizar-se a competência dos «aprendentes» insistindo numa doutrina didática quase exclusivamente baseada nas teorias linguísticas e na exercitação dos discursos elementares, «aliviados» da complexidade e interação literária. Polarizou-se a disjunção língua e literatura, sem vantagem verificada para o ensino da língua, e obliterou-se a grande memória patrimonial que distingue a riqueza dos idiomas.
 O que é óbvio é que o texto literário interage e exercita a disponibilidade criativa e funcional da língua. E, por cúmulo, o património literário lusófono é um excelente tesouro dos recursos criativos da língua portuguesa, e oferece exemplos de leitura apelativa e motivadora e de incontestável eficácia, para o estudo e provimento da competência linguística, a todos os níveis e para todos os discursos.