Ao que julgam os autores, o caso que ora registram representam o primeiro caso brasileiro de cifoscoliose congênita tratada neurocirurgicamente. Estudaram inicialmente as diversas doutrinas explicativas do sofrimento medular nessa enfermidade. Insistiram no papel da compressão da medula entre as duas faces da dura-máter, anterior e posterior: a primeira aplicada contra a convexidade óssea e a segunda, fortemente distendida pelas raízes nervosas, contra a face posterior da medula. A maior incidência de fenômenos medulares entre os 15 e 20 anos de vida, época do maior crescimento do indivíduo, comprova o papel desempenhado, em sua patogenia, pelo estiramento longitudinal da dura-máter, sòlidamente fixada no orifício magno e no sacro. Finalmente, a torção da coluna e a possibilidade de compressão de vasos sangüíneos, com conseqüentes mielomalácias, deve ser considerada diante de cada caso. Nesses fundamentos baseia-se a indicação da abertura da dura-máter e sua não suturação após a laminectomia. Nos casos da literatura em que a intervenção cirúrgica se limitou à abertura do canal raquidiano, os resultados foram pouco brilhantes. Registraram os autores a observação de um jovem de 17 anos, que, ano e meio antes, ao suportar a coluna um esforço exagerado, começou a apresentar dores lombares, as quais motivaram a indicação de um colete de gèsso. Entretanto, pouco a pouco, foram-se desenvolvendo sinais de déficit motor e sensitivo nos membros inferiores. Ao exame, foi observada uma paraplegia crural absoluta, sendo possíveis, apenas, pequenos movimentos de flexão e extensão dos grandes artelhos. Reflexos profundos exaltados, trepidação e clono nos membros inferiores; sinal de Babinski bilateral; hipoestesia táctil, térmica e dolorosa até T8; anestesia profunda nos membros inferiores. Cifose dorsal alta pronunciada, com escoliose dorsal média dextro-convexa e ligeira escoliose dorsolombar sinistro-convexa. O exame do liqüido cefalorraquidiano, em punção lombar, revelou bloqueio completo do canal vertebral e liqüido com característica dissociação albumino-citológica. As radiografias demonstraram uma cifoscoliose dorsal alta, dextro-convexa, com ápice em T4; hemivertebra triangular, correspondendo a T4, de base direita articulada em T3 e T5; ausência da 5.ª costela esquerda, enquanto que a 5.ª costela direita, de curto trajeto, se achava fundida com a 6.ª costela. Os exames mieloscópicos e mielográficos vieram comprovar o bloqueio, pela parada do lipiodol entre T3 e T4. Decidiu-se então o tratamento neurocirúrgico, cujos tempos essenciais foram os seguintes: retirada das apó-fises espinhosas e lâminas de C5 a T4; feitura de novo leito ósseo entre T3 e T5, para a medula, através da escavação de uma porção dos processos transversos à esquerda, bem como dos ligamentos interósseos, dos tubérculos costais e de uma porção correspondendo ao colo das costelas (esse leito ósseo foi recoberto com oxicel) ; transposição da medula para seu leito mediante a secção, entre clips, das raízes T1 a T4 bilateralmente; abertura da dura-máter e sondagem do canal; fechamento, conservando-se a dura-máter aberta. Dois dias após a intervenção, o paciente já conseguia executar alguns movimentos débeis de flexão e de extensão dos pés. Cerca de 30 dias depois da laminectomia, o paciente já ficava de pé, amparado O exame neurológico, realizado 48 dias após o ato cirúrgico, revelou ausência de qualquer paralisia muscular, embora os movimentos fossem realizados com diminuição de energia; hiperreflexia profunda, sinal de Babinski à direita e inconstante à esquerda; sensibilidade superficial quase normalizada, persistência do bloqueio e liquor com as características de estase. Não obstante, as melhoras progrediram, de modo que o paciente consegue hoje exercer suas atividades normais. O exame neurológico está normalizado, com exceção de ligeiros distúrbios da sensibilidade profunda. Após revisão bibliográfica, concluíram os autores que seu paciente representa uma das mais rápidas e completas recuperações de paraplegias cifoscolióticas registradas na literatura.