Abstract
Este artigo argumenta pela necessidade de incluir a construção midiática da idéia de sofrimento evitável no estabelecimento de uma gramática crítica das imagens e narrativas de sofrimento. A inclusão realça a singularidade do modo contemporâneo de se pensar o poder da ação humana e abre espaço para o questionamento de suas limitações éticas e políticas. Partindo de Nietzsche e Foucault, conceituamos a mudança histórica como a passagem da norma ao risco e sugerimos que o moralismo e o autoritarismo resultam de uma concepção estreita de responsabilidade. Concretizamos esse questionamento pela análise, para os anos de 1983 e 2001, da diferença nas críticas endereçadas à polícia no noticiário de crimes do jornal O Globo. Mostraremos que as denúncias de tortura e chacinas tendem a ser substituídas pelas falhas na oferta do serviço segurança.
Highlights
Os meios de comunicação estão repletos de imagens e de narrativas sobre o sofrimento de estranhos: doenças, catástrofes naturais, desastres ecológicos, fome, miséria, preconceitos, guerras, terrorismo, crimes – tudo isso permeia nosso cotidiano e se torna parte constitutiva de nossa consciência moral
This article argues for the necessity of including the mediatic construction of the idea of ‘avoidable suffering’ in the establishment of a critical grammar of images and narratives of suffering
The proposed inclusion stresses the singularity of the manner in which the power of human action is conceived in the contemporary world. It opens up a problematic field in which the ethical and political limitations of the idea of ‘avoidable suffering’ may be questioned
Summary
A mudança histórica que queremos descrever pode ser apresentada pela diferença na atitude social diante de um tipo singular de criminoso: o jovem assaltante pobre, usualmente desempregado (Mathiesen 2001). Em sua caracterização mais abstrata, o conceito de risco implica trazer a probabilidade de acontecimentos futuros indesejáveis para o presente e associar sua ocorrência a decisões, conformando uma visão do futuro não como lugar de realização, mas de sofrimentos a serem evitados. O Estado diminui o seu poder sobre cada indivíduo que o papel de pastor lhe conferia, mas, em compensação, aumenta sua autoridade de policial, de intervir em nome das vítimas virtuais, como contentor daqueles que representam um risco à liberdade delas. À urgência de evitar o risco involuntário e à relação de cliente estabelecida com o Estado, soma-se uma descontextualização da ação do criminoso – pode-se, e talvez se deva, desrespeitar seus direitos – e uma relativa despreocupação com os abusos policiais e os ‘danos colaterais’ que afetam quem está, geográfica e imaginariamente, próximo dos criminosos: a população das favelas
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