Abstract

O intuito de refletir sobre o modo de existência ontológico da personagem no romance «barroco», não é tanto, neste artigo, o de descrever a metodologia discursiva utilizada pelos romancistas desse período para introduzir figuras de ficção em universos alegóricos, mas o de colocar um conjunto de questões sobre a existência ou inexistência da «personagem», o lugar da sua autonomia estética, num universo que ainda não se vê forçado a legitimar (ou a retratar) o indivíduo/individual. Partindo da reflexão teórica que tem sido desenvolvida no âmbito do projeto “Figuras da Ficção”, e tendo como horizonte textual os «libros de pastores» do século XVI e XVII, pretender-se-á avaliar como, antes de Garrett, a personagem se pode apresentar sob a forma de modelo ético e social (pastores, cavaleiros, ninfas, sátiros), assente no confronto entre a Utopia, a História e a Ficção. Admite-se, assim, a possibilidade de encarar as personagens pastoris como «figuras sem rosto» que, contudo, parecem ser já personagens. Será utilizado como argumento demonstrativo deste pressuposto o modo de reconfiguração cinematográfico das personagens de L’Astrée que Éric Rohmer trabalha no seu último filme (Os Amores de Astrea e de Celadon, 2007): o rosto andrógino de Celadon denuncia, de algum modo, a ambiguidade essencial do rosto (ou do não-rosto) do Pastor Peregrino de Rodrigues Lobo, sem que, contudo, se iluda, já no século XVII, a consciência romanesca do «protagonista» a que a filmografia do cineasta francês dá sentido, no século XXI.

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