Abstract

Traçando um paralelo entre tradução e testemunho, propomos discutir o processo tradutório d’Os sertões, de Euclides da Cunha, para o francês. No desenrolar da sua tarefa, os tradutores dessa obra, Antoine Seel e Jorge Coli, testemunham uma luta incessante com as línguas para reescrever um original que resiste à inscrição em uma forma diferente da qual foi concebido. Tradução e testemunho estão, portanto, cercados por um double bind, uma dupla injunção entre impossibilidade e necessidade de cumprir a promessa de traduzir o que resiste à tradução: o trauma ou o original. Atestamos essa dupla injunção na esteira do pensamento de Jacques Derrida em Torres de Babel (2002) e Demeure (2000), dois textos que problematizam a tradução e o testemunho como atividades necessárias e impossíveis. O original e seu autor demandam a tradução uma vez que não podem falar em outra língua sem o trabalho do tradutor. Embora reclamada, a tradução não transfere ou repete a totalidade de qualquer sentido, tampouco reproduz uma suposta voz autoral na língua de chegada. Para sustentar o argumento, discutimos como Os sertões tomam a forma de um trauma para seus tradutores. Além da escrita tradutória, investigamos os depoimentos de Seel e Coli sobre suas angústias ao testemunhar a narrativa traumática de Euclides. Tomamos a tradução desse testemunho como exemplo para argumentar que a tradução, no geral, é um processo no qual se testemunha um trauma na língua, uma luta com a própria língua para traduzir o que resiste à tradução.

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