Abstract
Este artigo pretende investigar o primeiro cinema em busca de marcas da “invenção” do personagem cinematográfico e, de modo correlato, da “invenção” do ator de cinema. Analisaremos diversas estratégias de enunciação e de figuração que revestem o corpo filmado de sua carga narrativa, tornando significativas suas aparições no decorrer do filme. Dentre essas estratégias, ressaltaremos o plano aproximado do rosto do ator – de Chapeaux à transformations (Lumière, 1895) a Fantômas (Feuillade, 1913), o close-up se mostra a principal ferramenta que permite ao espectador antecipar e projetar na figura humana uma identidade individual dotada de certa consistência psicológica e apta a desempenhar as funções narrativas que passam a ser exigidas pelos filmes. Veremos todavia que, apesar de sua essencial contribuição para o processo de “integração narrativa”, o close-up também preserva o rosto como uma “atração” à parte. Tal força atracional, já presente em obras de Méliès (Le roi du maquillage, 1904) e A. E. Weed (Photographing a female crook e Subject for the rogue’s gallery, 1904), chega renovada ao momento contemporâneo através de filmes que, investindo em metamorfoses e multiplicações dos personagens, complicam a relação entre corpo e identidade. Assim, o retorno ao close-up no primeiro cinema se revela crucial para a compreensão das origens e complexidades do personagem cinematográfico para além das órbitas da literatura e do teatro.
Highlights
A noção de personagem, depois de atravessar séculos de teatro e de literatura e antes de se ver apropriada pelo cinema, permanece problemática, sobretudo quando confrontada com os primeiros filmes, realizados ainda no final do século XIX
Dos conselhos aos jovens pintores renascentistas, proferidos pelo uomo universale Leon Battista Alberti, à indústria cinematográfica norte-americana, a ideia de que o rosto exprime a verdade ou a essência de uma pessoa – seja ela a entidade fictícia à qual chamamos personagem, seja um indivíduo apreendido na realidade de sua vida cotidiana – atravessou séculos e se manteve praticamente intacta através das mais diversas correntes de pensamento
Por exemplo, que, nos seis filmes da série Missão: Impossível produzidos e estrelados por Tom Cruise até agora (1996-2018), o espectador aguarda pelo momento em que algum dos personagens irá retirar uma sofisticada máscara de borracha para revelar sua verdadeira identidade
Summary
Se o cinema apresenta novos desafios à noção de personagem, isso não significa que o personagem já tenha afastado ou superado seus antigos desafios. Apesar de ser uma categoria recorrente e familiar para quem lida com obras narrativas, a noção de personagem permanece consideravelmente obscura aos olhos de pesquisadores dos mais diversos campos de estudo: “o conceito de personagem é, talvez, a mais problemática e a menos teorizada de todas as categorias básicas da teoria narrativa, mas é também a ferramenta que mais utilizamos quando pensamos em textos ficcionais” (Frow 2016, VI). Apesar de prejudicar o rigor da análise, essa “assombrosa cegueira” nos permite vislumbrar, na noção de personagem e, em particular, no personagem cinematográfico, uma disjunção possível não apenas entre ator e personagem, mas também entre a realidade material da representação e seus efeitos de sentido, entre o corpo humano e a pessoa ficcional cuja existência ele, uma vez encarcerado numa estrutura narrativa, deve, a todo o custo, garantir
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