Abstract

No início do século XVIII a escravidão chegou ao seu apogeu em Portugal, especialmente em Lisboa. Até 1761, um milhar de cativos africanos, ou mais talvez, por ano, desembarca no cais da capital. Vêm diretamente da África ou do Brasil onde residiram alguns anos. Começa para eles um longo processo de adaptação, de reconstrução da identidade e do imaginário. Por detrás da fachada das sete confrarias negras, entre as quais duas eram de nações, que apresenta a versão oficial e enquadrada no catolicismo barroco e procura produzir e apresentar negros à alma branca, se esconde uma outra realidade: a persistência das crenças africanas tradicionais, articuladas ou misturadas às tradições populares portuguesas, às quais, respondendo à sua procura de poderes mágicos diferenciais e cumulativos, as populações brancas mostram-se sensíveis. Os processos da Inquisição revelam assim que feiticeiros, mágicos, mandingueiros e curandeiros negros inserem-se, cada um à sua maneira, na cadeia complexa dos agentes legítimos e ilegítimos do sagrado.

Highlights

  • Na medida em que as pessoas recorrem a Francisco Antônio para tratar uma doença orgânica, mas sobretudo a manifestação de uma desgraça de origem diabólica, diagnosticada como tal tanto pelo médico como pelo exorcista, os doentes introduzem uma nova figura no campo dos práticos da eficácia simbólica: o mágico e, neste caso preciso, o curandeiro

  • Os processos da Inquisição revelam assim que feiticeiros, mágicos, mandingueiros e curandeiros negros inserem-se, cada um à sua maneira, na cadeia complexa dos agentes legítimos e ilegítimos do sagrado

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Summary

Didier Lahon

Em 1787, algumas “negras bruxas” vivem nas cavernas das ribeiras íngremes do Tejo. Para sobreviverem, dizem a sina e vendem sortilégios contra malefícios. O seu olho esquerdo representa o Sol, o direito a Lua, as estrelas são as suas crianças.[81] Além disso, entre os 16 signos principais da divinação de Ifá, o bode nunca é marcado por um tabu alimentar e, para os iorubás assim como os fons do Benim, o bode é o animal simbólico oferecido, cozinhado no óleo de palma, ao Orixá conhecido como Exú para os primeiros, Legba para os segundos.[82] Ora, como sabemos, Exú/Legba foi assimilado ao diabo pelos missionários em razão destas características notoriamente fálicas e por ser às vezes representado com chifres no Daomé,[83] mas provavelmente também porque um culto das encruzilhadas era-lhe rendido. Magia e religião popular são dois sistemas de pensamento simbólicos que não somente não se excluem mas se completam freqüentemente, em especial quando se trata de lutar contra a doença, a desgraça, o inexplicável, quando o demônio invade o cotidiano e parece mais presente e mais acessível que Deus

Curandeiros e mandingueiros negros no sistema mágico religioso português
Diabo familiar contra Diabo do Outro
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