Abstract
As triagens não são ordinariamente problemáticas. Elas só são problemáticas quando a decisão envolve uma distribuição de desigual de recursos com prejuízos significativos a alguém; em circunstâncias normais, a triagem apenas garante uma melhor eficiência na gestão de recursos sem causar danos significativos a ninguém. Contudo, há situações críticas, e dramáticas, em que não é possível prestar um mesmo serviço a todas as pessoas ao mesmo tempo sem deixar alguém em uma situação prejudicial. Nas situações ordinárias é preciso estabelecer prioridades que garantam priorização eficiente (máxima eficácia com o menor custo) de forma justa. Nessas circunstâncias, não há “problema de triagem”, pois mesmo que alguém esteja em desvantagem em relação a outro, a desvantagem não é significativa ou impossível de ser compensada. Um problema de triagem surge quando é necessário racionar o recurso, gerando um ônus significativo para alguma parte que não pode ser compensado. No caso das decisões sobre as prioridades de utilização dos recursos da UTI na recente pandemia, as decisões pareceram implicar aceitar que alguém possa receber um tratamento pior, com sério risco de morte ou dano, pela omissão do melhor tratamento disponível apenas para alguns. Neste artigo, pretendo investigar se a abordagem consequencialista que supostamente parece fundamentar as propostas para o problema da triagem na distribuição de ventiladores mecânicos a pacientes gravemente afetados pelo COVID-19 pode ser avaliado à luz de uma melhor interpretação do chamado princípio do dano. Mas por que pensamos que é correto alocar recursos vitais escassos para aumentar a chance de salvar mais pessoas em algumas circunstâncias, mas relutamos em aceitar como certo seguir esse mesmo princípio em outras situações? Por exemplo, seria correto redistribuir recurso vital já alocado para garantir o princípio consequencialista do melhor resultado agregado de mais vidas salvas? Pretendo avaliar porque é correto dar um leito de UTI para alguém com mais chances de sobreviver antes da alocação, mas errado aplicar esse mesmo princípio para remover alguém desse leito após a alocação ter sido feita. O estudo permitirá desenvolver um conceito de dano que seja capaz de equilibrar reflexivamente as intuições e princípios em jogo.
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