Abstract

Este estudo defende a influência do anarquismo na teoria e estética dos heterónimos de Fernando Pessoa. A análise e contextualização de O Banqueiro Anarquista precisa de ter em conta os paralelismos com, por exemplo, os “Apontamentos para uma estética não aristotélica” de Álvaro de Campos ou a epistemologia radical de Alberto Caeiro. O discurso do banqueiro, construído a partir de ideias de Max Stirner, coloca em destaque um dos maiores axiomas paradoxais da filosofia de Pessoa: a ficção torna-se a única realidade individual (e vice-versa). Seguindo a história da anarquia, Pessoa faz alusão à luta ideológica entre a crítica modernista da razão e as utopias do Iluminismo. Tendo em conta que a utopia é o horizonte último do anarquismo, Pessoa faz o eu emergir como uma construção individual e exagero derradeiro da realidade. A relevância desta assunção reside no paralelismo com um pós-modernismo que desconstrói enfaticamente as grandes narrativas e uma crítica da globalização e desestabilização negativa do neoliberalismo. Assim, a heteronímia, enquanto discurso holístico e estético, implica a abolição daquilo que assumimos como atitudes “naturais” (e “ficções sociais”, incluindo as do próprio anarquismo) em relação com uma realidade objetiva inalcançável. Sendo que a anarquia representa um tipo de unidade da multiplicidade, também a heteronímia o faz, constituindo O Banqueiro Anarquista apenas um exemplo desta condição. A recepção da anarquia na obra de Pessoa convoca o paradoxo como única verdade, como uma reconstrução no seio da eterna desconstrução e tradução de sentido. Nesse sentido, a dialética de O Banqueiro Anarquista é construída, consciente e intencionalmente, como um sofismo satírico que faz despoletar a questão do conflito universal entre realidade e ficção (ou utopia).

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