Abstract
Falar sobre surdez e preconceito é narrar uma das interfaces do ser surdo. Dentre o imenso leque que o envolve, o artigo traz para discussão a norma da fala e o mito da leitura da palavra falada, por considerar que ambos legitimam uma série de práticas oralistas, afetando pejorativamente a construção da identidade do ser surdo e seu direito a uma comunicação e formação significativa. Em ome de uma pseudointegração entre surdos e ouvintes, mascaram-se os preconceitos em relação à surdez e aos surdos, ao implicitamente não aceitar sua diferença linguística, de percepção do mundo e forma de ser. Essa discussão é construída essencialmente a partir do resgate de muitas vivências dos próprios surdos, a fim de trazer à tona as suas nuanças, desvelando alguns dos discursos que legitimam esses preconceitos, buscando desnudar as implicações dolorosas que geram na vida dos surdos
Highlights
Dentre o imenso leque de preconceitos que envolvem o ser surdo, este texto pretende discutir a norma da fala e o mito da leitura da palavra falada, por entender o quanto ambos legitimam uma série de práticas oralistas[1], afetando de forma pejorativa
A famosa leitura labial,[4] apontada como a possibilidade de o surdo “compensar” o sentido da audição para ter acesso às informações via palavras faladas, é hiperestimada, constituindo-se em um mito
Sendo representações sociais que identificam o surdo como um ser anormal, incapaz, sem cultura própria, com uma língua pobre e uma maneira de ser esquisita, faz com que ele, principalmente quando privado de estar entre seus pares, assimile o olhar do ouvinte-opressor
Summary
Falar sobre surdez e preconceito é narrar uma das interfaces do ser surdo. Na história do povo surdo estão evidentes as marcas que o identificam como um ser incompleto, incapaz, deficiente. Em relação ao processo de discriminação do surdo, que impõe uma marginalização social e cultural, não vejo sequer a necessidade de ilustrar com exemplos, pois estes são tantos – desde a falta de legenda em português ou de tradução em Libras dos programas televisivos e outros similares, ao direito elementar de acesso aos conteúdos de uma aula no ensino regular, pois, ainda na maioria das situações de alunos surdos “incluídos”, o recurso predominante para tal é a leitura da palavra falada – que não bastaria um artigo, mas sim um livro de exclusões diárias. Outro aspecto importante o qual me sinto plenamente confortável para apontar como grande engodo – visto que durante 35 anos fui uma ouvinte – é a possibilidade de o surdo ser aceito na comunidade ouvinte, desde que fale como um dos seus e tenha um treinamento da leitura da palavra falada impecável; há aí um caráter subliminar acrescentado a essa promessa de integração, como se por via dela viesse a receber o ingresso a um “paraíso ouvinte”. Essa perspectiva que desconsidera de que surdo estamos falando remete ao cerne do preconceito em relação à surdez que nos identifica a partir da deficiência como um grupo homogêneo
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