Abstract
No final do prólogo do Fédon (61b-63b), há uma tensão entre desejo de morte e proibição do suicídio entendida por Cebes como um contrassenso manifesto. Contudo, o que se mostra um disparate é na realidade o recurso platônico para introduzir grandes temas que serão trabalhados ao longo do diálogo. Delinear-se-á, numa curiosa trama de mythos e lógos, um ponto crucial que reverbera no restante do diálogo e que possui, com efeito, grande envergadura para o pensamento filosófico e religioso posterior: trata-se do passo 62b, no qual se diz que “nós homens estamos numa certa de phrourá”. Como entender essa afirmação, cuja obscuridade é reconhecida pelo próprio Sócrates? Parece-nos que a compreensão desse passo depende da interpretação e, por conseguinte, da tradução que se dá para o termo phrourá. Afinal, trata-se de prisão, cárcere, custódia, posto, ou serviço de guarda? Devido às muitas controvérsias que esse vocábulo tem causado desde a Antiguidade, e na confiança de que essa discussão ainda está longe de encontrar seu termo, este artigo tem como objetivo não só analisar a semântica desse vocábulo grego, mas também articulá-la com o passo no qual está inserida. E o pano de fundo: uma visão religiosa particular que afirma o divino ser o que cuida dos homens. Em suma, espera-se que esse debate proporcione recursos para novas pesquisas e reflexões férteis sobre a filosofia platônica.
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