Abstract

Em 4 de outubro de 1992, foi assinado o Acordo Geral de Paz (AGP) que pôs fim ao conflito armado que assolou Moçambique por dezesseis anos. Apesar de este dia ser celebrado como o dia da Paz e da Reconciliação e oficialmente marcar o fim da guerra entre a Frelimo e a Renamo (1976-1992), este também pode ser visto, de uma forma mais ampla, como o fim de uma era de violência direta e de conflito armado que começou com a Luta de Libertação Nacional (1964-1974) contra o colonialismo português. Em seu romance Terra Sonâmbula, Mia Couto entrelaça duas histórias diferentes, misturando o presente e o passado, com o intuito de denunciar a destruição causada por “uma guerra que parece não ter fim”. Argumentamos que essa ideia de continuidade da guerra em Moçambique se expressa em três dimensões: através das ligações entre a guerra colonial-libertação e a guerra civil, por meio das memórias daquelas pessoas que a vivenciaram de forma direta ou indireta, e da memória coletiva de forma mais geral e, por fim, através da permanência de relações de colonialidade na sociedade moçambicana contemporânea. Com base na obra de Mia Couto e recurso às gramáticas do Pós-colonialismo, dos Estudos para a Paz e dos Estudos da Memória, este artigo reflete sobre a continuidade da guerra no país e como esse passado ainda se faz tão presente através das narrativas de memórias acerca do mesmo.

Highlights

  • We argue that this idea of continuity of the war in Mozambique can be understood through three different ways: through the links between the colonial-liberation war and the civil war; through the individual memories of those people who experienced it directly or indirectly and, more broadly, through public memory; and, finally, through the endurance of colonial relations in contemporary Mozambican society

  • Palavras-chave: Moçambique; Mia Couto; Guerra Civil; Luta de Libertação; Memória

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Summary

Natália Bueno

Moçambique possui uma trajetória enquanto país independente ainda muito recente e que esteve durante a maior parte do tempo atravessada pela guerra. Com relação ao primeiro elemento, nomeadamente os conflitos que existiram no seio da Frelimo, no seu livro Lutar por Moçambique (1969), Eduardo Mondlane chama atenção para os problemas do tribalismo e do regionalismo tratados durante uma sessão do Comité Central da Frelimo em outubro de 1966. Retomando o segundo elemento indicado por Borges Coelho como forma de evidenciar a continuidade da guerra, é importante lembrar que o autor aponta como a guerra colonial-libertação levou a militarização geral e específica da sociedade moçambicana. O autor conclui que “a extrema militarização induzida pelas autoridades coloniais portuguesas no seu esforço de guerra deixou um legado de contornos ainda não inteiramente circunscritos mas que, pelo seu potencial de violência, constituiu poderoso factor alimentador dos conflitos pós-coloniais” Já no período de 19761992, estima-se que a guerra tenha feito um milhão de vítimas diretas e indiretas (HANLON, 1991). De acordo com dados da UNICEF, no início dos anos 1990, 90% da população estava vivendo na pobreza, com 60% vivendo em pobreza absoluta (NORDSTROM, 1997)

Guerras de memórias
Reminiscências do colonialismo
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