Abstract
Operações textuais de apagamento foram largamente empregadas na literatura impressa de vanguarda nos séculos XX e XXI, provocando reflexões críticas acerca dos processos de significação emergentes da dialética de impressão e supressão de signos gráficos sobre uma página. Na maioria dessas obras, o leitor modelo foi concebido como uma entidade discursiva posterior ao tempo da enunciação em que se daria o apagamento da materialidade discursiva, cabendo-lhe, portanto, apenas a leitura do produto já apagado, cortado ou rasurado. Por sua vez, graças a recursos de interatividade, algumas obras da literatura digital ensejam novas temporalidades na dinâmica de apagamento-escritura, especialmente instanciando o leitor como contemporâneo a (e responsável por) essas operações que alteram o corpo do texto. Dado o exposto, procede-se neste artigo a uma análise de duas obras de literatura digital – Petite brosse à dépoussiérer la fiction, de Philippe Bootz (2005), e Degenerative, de Eugenio Tisselli (2005) – à luz de pressupostos teóricos do pós-estruturalismo francês acerca da relação entre escrita e apagamento. Indaga-se, nessa perspectiva, como diferentes operações de deleção, no âmbito da literatura digital, criam uma dobra topológica na qual o leitor retorna sempre ao presente – ou a um presente – do delito contra o texto, ensejando um apagamento que paradoxalmente destrói a textualidade, mas constrói a leitura.
Highlights
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Recuperam-se as primeiras edições de textos canônicos e históricos; comparam-se versões, provas e arquivos; e por vezes recorre-se a ferramentas teórico-metodológicas da ecdótica, como a codicologia e a paleografia
Os exemplos aqui mencionados servem tão-somente para ilustrar algumas das poéticas do apagamento desenvolvidas em suporte impresso, as quais, ainda que por diferentes procedimentos, acabam situando o leitor quase sempre num mesmo ponto temporal, posterior ao ato enunciativo em que o autor subtraiu porções da materialidade textual
Summary
A crítica textual vem se debruçando há mais de dois mil anos sobre as cicatrizes que o escrever-apagar deixa no papel, em sua condição de memória vegetal. Estes formam poemas que não se podem dizer escritos por Kleon; são, na verdade, produto de operações de apagamento por meio de uma série de rasuras, em meio às quais o leitor tenta construir sentidos com base nos retalhos de texto que permanecem legíveis. Os exemplos aqui mencionados servem tão-somente para ilustrar algumas das poéticas do apagamento desenvolvidas em suporte impresso, as quais, ainda que por diferentes procedimentos, acabam situando o leitor quase sempre num mesmo ponto temporal, posterior ao ato enunciativo em que o autor subtraiu porções da materialidade textual. Indaga-se, nessa perspectiva, como diferentes operações de deleção, no âmbito da literatura digital, criam uma dobra topológica na qual o leitor retorna sempre ao presente – ou a um presente – do delito contra o texto, ensejando um apagamento que paradoxalmente destrói a textualidade, mas constrói a leitura
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