Abstract

O debate contemporâneo sobre experiências alternativas de organização do trabalho e da produção se encontra no Brasil dominado pela chamada “economia solidária”. Disseminadamente conhecidas como “cooperativas” ou “fábricas e empresas recuperadas”, muitas dessas experiências evidentemente não são novas, remontando às primeiras práticas de resistência e de auto-organização social protagonizadas pela classe trabalhadora. Ao mesmo tempo, sua condição e potencial de “alternativa” societária em variadas circunstâncias são minimizados e mesmo colocados em xeque pelo modo como estas se inserem no âmbito de relações de subordinação e dependência com agências, mecanismos e operadores do Estado e do mercado capitalista. O artigo em questão pretende apresentar um suscinto balanço crítico do repertório teórico mobilizado por expoentes da economia solidária à luz de perspectivas oriundas do campo anarquista e marxista heterodoxo, relacionando-o com a proposta da “economia participativa” (PARECON). Dessa forma, espera-se contribuir com uma crítica a este marco teórico através da recuperação do sentido antissistêmico do conceito de autogestão, subsidiando a reflexão e análise relativas a tais experiências

Highlights

  • O debate contemporâneo sobre experiências alternativas de organização do trabalho e da produção se encontra no Brasil dominado pela chamada “economia solidária”

  • França Filho (2006) e Leite, Araújo e Lima (2015) apresentam uma leitura mais sofisticada das distintas tramas existentes na economia e na relação entre atores que sustentam os experimentos, mas não concebe o aprofundamento dos espaços associativos de trabalhadores sem a existência de políticas públicas regulatórias

  • Escalas e transversalmente em variados espaços sociais, tais fenômenos de autogestão poderiam ser entendidos como constituídos mediante a produção e profusão de sociabilidades emergentes (COLETIVO ACYSE, 2012), sendo estas identificadas como arranjos interativos e representações de ordem social lastreados por uma conjugação de valores e práticas – como: o apoio mútuo, a solidariedade, a cooperação, a democracia direta, a autonomia individual e coletiva, e a diversidade – com distintos gradientes de antagonismo às instâncias heterônomas e verticais da forma-Estado e da forma-Capital (GUILLEN, 1990)

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Summary

Introdução

A cooperação voluntária, a democracia direta e a colaboração horizontal, como valores e conteúdos práticos de experiências de autonomia, protagonismo e socialização concretizadas no interior de empresas e unidades produtivas, compõem o que poderíamos considerar como o repertório de “tecnologias sócio-organizacionais” criado e acumulado pelos trabalhadores e atores sociais subalternos. A outra contribuição valiosa do campo libertário a ser destacada é oriunda de Piotr Kropotkin, um dos principais anarquistas modernos a dedicar consistentes e sistemáticas reflexões sobre a necessidade (em contraste com Proudhon) da expropriação dos meios de produção diretamente por parte dos expropriados, não apenas como finalidade da revolução social mas também como sua própria realização enquanto tal. Para além da luta política e social, o apoio mútuo também teria fomentado a proliferação moderna de uma infinidade de esferas associativas criadas como sociedades científicas, literárias, juvenis etc., todas movidas pelo espírito voluntário e pela disposição auto-organizativa para atender demandas, interesses e/ou afinidades de pessoas que buscavam no vínculo social, na ação direta e na colaboração com outros uma maneira de realização pessoal e de propósitos (e Kropotkin não subtrai nem as classes dominantes das dinâmicas promovidas pelo apoio mútuo). Bem distinta das leituras mais correntes que se fazem da autogestão, favorecidas em grande medida pelo lugar ocupado pela economia solidária no debate atual, que tende a circunscrevê-la exclusivamente no interior do espaço da empresa, como modalidade “mais democrática ou participativa” de gestão empresarial

A economia solidária
Dinâmicas e estrutura organizacional das experiências
Setores marginais e setores dinâmicos da economia
Relações com Estado
Capacidade de transformação social
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