Abstract

Este texto pretende discutir o princípio da imparcialidade judicial e seus dilemas, com base em pesquisa empírica realizada no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, entre os anos de 2008 e 2012. Trata-se de descrever os sentidos e as representações que os próprios operadores do sistema de justiça brasileiro, especialmente magistrados, atribuem ao conceito de imparcialidade. A ignição para a retomada do tema neste artigo decorre da divergência que se instalou no campo jurídico sobre a postura do ex-Juiz Sergio Moro na condução dos processos da operação Lava Jato, especialmente após as repercussões do vazamento de suas conversas com o coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol, divulgadas pelo periódico The Intercept, a partir de junho de 2019. A pesquisa explicita que as práticas judiciárias e as decisões judiciais são orientadas por percepções subjetivas e sensos particularizados de justiça, que se revelam nas interpretações pessoais dos magistrados sobre os significados da lei, dos fatos e das provas produzidas no processo judicial. E que, entre o dever de parecerem imparciais e o fato de serem humanos, os magistrados transitam em um sistema de crenças de sua própria imparcialidade, construído discursivamente pelo campo do direito, e que funciona como uma categoria estruturante do sistema judiciário, que desloca e centraliza no magistrado, o poder de interpretar e de decidir, no caso concreto, o que significa “fazer justiça”.

Highlights

  • Este artigo se insere no contexto de um dossiê, que pretende discutir questões de interesse do campo da Antropologia do Direito

  • No trabalho de campo, que, ao mesmo tempo em que os magistrados, durante as entrevistas e em manifestações públicas, nos julgamentos e audiências que assisti na ocasião da tese, tentavam demonstrar que o processo é racional, objetivo, e a imparcialidade judicial lhes impede de acessar o seu subjetivismo e o seu lado humano, a fim de evitar a “contaminação” da análise dos autos processuais, também ficava clara para mim a percepção de que este fim lhes era muito penoso e de difícil acesso, porque, “enquanto seres humanos”, eles acabavam, querendo ou não, se valendo de suas emoções e agindo de forma nem sempre racional

  • DUDH - Declaração Universal dos Direitos Humanos

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Summary

INTRODUÇÃO3

Este artigo se insere no contexto de um dossiê, que pretende discutir questões de interesse do campo da Antropologia do Direito. Este texto pretende discutir o princípio da imparcialidade judicial e seus dilemas, com base em pesquisa empírica, de cunho etnográfico, realizada no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, entre os anos de 2008 e 2012, por ocasião do meu doutoramento em Direito (Lupetti Baptista, 2013). A essa altura, resgatar [ou mesmo ressuscitar] o tema [“antigo”] da minha tese de doutorado para este dossiê foi uma ideia oriunda da intensidade com que o assunto vem sendo tratado e debatido na sociedade e também no campo do Direito, por ocasião, especialmente, da Operação Lava Jato, iniciada em meados do ano de 2014 e retratada como sendo a maior investigação de corrupção e lavagem de dinheiro do Brasil, com inúmeras repercussões, diferenciadas e singulares, inclusive, a prisão do ex-Presidente Lula, seguida da “Vaza-Jato”, representada pelo vazamento de conversas divulgadas pelo jornalista americano Glenn Greenwald, do periódico virtual The Intercept, a partir de junho de 2019, que evidenciam a relação íntima existente entre o ex-juiz Sérgio Moro e o promotor Deltan Dallagnol, no âmbito da Operação Lava Jato. O texto está sistematizado de forma a tratar, primeiro, do discurso normativo sobre o tema da imparcialidade judicial e, depois, descrever as falas e representações dos entrevistados acerca do tema, problematizando, ao final, a partir da “Vaza-Jato”, os sentidos atribuídos pelos operadores do sistema de justiça ao dever de imparcialidade dos magistrados

O DISCURSO DO “DEVER-SER”: A IMPARCIALIDADE JUDICIAL NA LEGISLAÇÃO
O SUPEREGO7 DA MAGISTRATURA
ENTRE A NEUTRALIDADE E A IMPARCIALIDADE
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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