«Curar algumas vezes, aliviar com frequência, confortar sempre». Essa clássica afirmação, que resume a função do médico, apresenta‐se numa ordem que encerra um equívoco educacional importante. O que se pode esperar quando a ordem recomendada para a atuação do médico é curar, aliviar e, em último caso, confortar? O lógico é pensar que se avança do mais importante para o detalhe. Quando não se consegue curar é preciso aliviar; e quando o alívio não é possível, resta providenciar conforto. Proceder nessa sequência fatalmente apresenta o alívio e o conforto como um prêmio de consolação para o médico que se deparou com uma doença incurável, dolorosa, terminal. O produto resultante desse processo equívoco – o médico – apresenta deficiências importantes. O autor faz uma extensa reflexão sobre a formação humana e técnica do médico. Inicia‐se com as advertências que chegam do paciente, aborda o tema do erro médico, para adentrar‐se no terreno necessário do sofrimento e da morte, cenários que o médico deve palmilhar na sua formação porque farão parte da sua atuação profissional. Adverte, a seguir, como assumir a postura correta nesse cenário requer uma antropologia médica de caráter prático, impregnada de valores filosóficos e perpassada pela ética. A reflexão desemboca sobre a medicina como ciência e arte que, também, facilita a prática dos cuidados paliativos com a competência requerida. A modo de conclusão, o autor propõe um giro hipocrático‐copernicano na educação médica, para evitar esse equívoco que rende importantes deficiências formativas. Enquanto confortar é algo que deve ser feito sempre, pela altíssima prevalência, o curar apresenta uma prevalência muito menor. O processo da educação médica deve contemplar essa proporção para produzir melhores médicos. Médicos que sempre sabem confortar e que, segundo os casos e as moléstias com as que se deparam, também sabem curar quando é possível. Quer dizer, a ordem dos fatores altera o produto. A introdução dos cuidados paliativos de modo formal no curriculum médico facilitará alterar a ordem desses fatores. “To heal sometimes, to relieve frequently, to comfort always.” This classic statement, summarising the doctor's role, is presented in a sequence that leads to an important educational error. What can be expected when the recommended order for the doctor's role is to cure, relieve and, ultimately, comfort? The logic is to think that we move from the main issue to the lesser one, to the details. When healing is not possible it can at least be relieved, and if it cannot be relieved, providing comfort still remains. To proceed in this sequence inevitably presents relief and comfort as a consolation prize to the doctor who was faced with an incurable, painful, and terminal disease. The resulting product of this process misconception ‐the physician‐ has important deficiencies. The author makes an extensive reflection on human and technical aspects of medical education. The reflection starts with the warnings coming from the patient, the doctor's mistakes, and enters into the necessary land of suffering and death, those scenarios that doctors should learn in their training, as they will be part of their professional activities. To assume the correct posture in this scenario requires a practical medical anthropology, imbued with philosophical values, and permeated by ethics. The reflection then leads to medicine as a science and art that also leads to the practice of palliative care with the required competence. As a conclusion the author proposes a Hippocratic‐Copernican shift in medical education, to avoid this misconception that yields important training deficiencies. While comfort is something that should always be given due to its high prevalence, the cure has a much lower prevalence. The medical education process should include this ratio to produce better doctors. Doctors must always know how to comfort and, depending on the circumstances and the diseases with which they encounter, they also should heal when cure is possible. That means, the order of the factors changes the product. The introduction of Palliative Care in the medical curriculum could facilitate change in the order of these factors.
Read full abstract